sábado, 16 de julho de 2011

A PAZ QUE VEM DAS PESSOAS



Há pessoas que são verdadeiras fontes de paz, exatamente como a visualização da cachoeira, na foto. Há pessoas ao lado de quem nossa alma descansa, deita, refresca-se, desarma-se, relaxa plenamente. 
São pessoas que, mesmo sem saber, parecem destinadas a nos proporcionar os raros e preciosos momentos de paz, dos quais precisamos para manter a sanidade mental. São as raras pessoas que nos olham nos olhos, que nos aceitam (embora sem plenamente compreender), que nos acolhem (embora sem totalmente concordar), que nos abrem os braços (literal e metaforicamente).
As pessoas que nos são fonte de paz parecem ter sido geradas num mesmo ventre cósmico. De fato, elas são irmãs, num sentido que não cabe no planeta. Num sentido que, à tentativa de verbalização, cairia no apelo fácil das interpretações óbvias e tendenciosas. Pois, ao contrário do sentimento-maior do amor-paz, os sentimentos terrenos banais são geralmente associados a sexo e competição entre indivíduos.
Podemos verdadeiramente amar muitas pessoas, conviver com inúmeros amigos e familiares. Mas apenas uns poucos são os que nos trarão plenamente o sentido de paz. E, mesmo sem a total consciência do que representam, eles se sabem assim. 
Parece haver um regozijo mútuo e recíproco. Quem cede a paz recebe, em troca, um tipo de sentimento único, um fluxo de energia positiva (sem pretensão esotérica) que alimenta e ampara, num caminho de duas vias.
Muitas vezes, ainda que possamos gostar muito de uma pessoa, ela pode não ser fonte de paz. As relações humanas são multifacetadas e complexas. Muitas vezes, o contato entre dois indivíduos resulta em tensão e em desarmonia, ainda que trazendo uma perplexidade mútua. Em outras palavras: mesmo contrariando nosso desejo, há que se afastar de pessoas a quem amamos, por simples e imutável incompatibilidade, por não haver uma harmonização da relação. São as relações que não trazem paz, embora sejam embasadas num sentimento maior. Tais relações resultam, invariavelmente, em conflitos, menores ou maiores. E aí surgem as grandes dores! à semelhança dos enormes terremotos que surgem por causa do atrito entre placas tectônicas, os atritos entre pessoas que nutrem reciprocamente sentimentos "tectônicos" podem ser devastadores, podem levar quase à destruição de uma personalidade. Contrariamente, atritos com pessoas que nos são insignificantes geram apenas imperceptíveis tremores, esquecidos tão logo aconteçam.
Não é escolha nossa. As relações de paz acontecem por si, envolvem questões que fogem ao nosso controle, já que se estabelecem sobre as trocas de sentimentos, geradas no nosso independente e temperamental sistema límbico. Assim como nós não podemos escolher as pessoas de quem gostaremos na vida, tampouco podemos estabelecer com quais pessoas teremos (ou não) relações pacíficas.
Você, meu (minha) leitor (leitora), quantas vezes já teve de se afastar de alguém, seja parente, amigo ou namorado (a), por incompatibilidade, por perceber que a relação não era fonte de paz, embora tendo a plena certeza de que havia um sentimento maior entre as partes? 
Quantas vezes você já sofreu as consequências do "terremoto sentimental" que provém de tais relações desarmoniosas, caindo por terra,  sentindo-se-lhe destruídas as entranhas, como se arrancassem seu coração ainda a pulsar, no mais abundante jorro de sua vida?
Tenho certeza de que já aconteceu.
Assim como, também posso apostar, você tem suas relações de paz. 
Basta estar junto, basta ouvir a voz. Muitas vezes, a mentalização da pessoa já traz alento ao seu dia, não é mesmo?
Cultive suas relações de paz. Afaste-se das que não são assim, ainda que isto provoque a agudização da dor. Melhor a fisgada intensa de uma dor aguda do que a sombra escravizadora de uma dor crônica.
Dedico esta crônica aos que são minhas relações de paz, dentro e fora da família. Não preciso citar nomes, eles se sabem assim. Sabem o tamanho do prazer que sinto, estando em sua convivência. 
São poucos, mas são enormes, em sua unicidade.
Agradeço ao cosmos todos os dias por tê-los colocado em meu caminho. 

quinta-feira, 7 de julho de 2011

O SIGNIFICADO DA ACEITAÇÃO NA INFÂNCIA



Desde o início de nossa vida, e, provavelmente, até o último suspiro, parece-me primordial e universal uma palavra, que possa se converter em gesto: a aceitação.
Irmão de espécie, nascemos com a sina de sermos semelhantes, mas diferentes em tudo. Das características físicas ao temperamento, da orientação sexual aos gostos culinários e esportivos, das escolhas afetivas à capacidade intelectual. Quase imperceptíveis variações das bases nitrogenadas no nosso DNA levam a futuras, e, por vezes, catastróficas diferenças.
A organização da espécie determinou que seria fundamental a convivência em grupos sociais. Grupos unidos são mais fortes, enfrentam com mais sucesso as adversidades do meio ambiente (isso vale também para bactérias, vírus e plantas). Assim, a evolução genética nos implantou uma imperiosa tendência à união, seja fraternal, seja social, seja sentimental. Passamos grande parte de nossa vida buscando ingressar em "comunidades". Inicialmente, grupos familiares. Depois, o dificílimo período de confrontação com a sinceridade/ crueldade das outras crianças. Na adolescência, o furacão hormonal se encarrega de tornar as adaptações ainda mais difíceis e abrangentes. Na idade adulta, quando tudo parecia estar mais claro e definido, surgem as pontes que nos levam de volta ao passado-infância, cruelmente centralizadas nas feridas mais sangrantes ou dolorosas.
De alguma forma, o monstro genético em que nos transformamos cobra uma resolutividade plena para todas as questões do passado. Caso haja pendências ou pontos irresolutos, os tentáculos que partem das margens das feridas nos trazem de volta ao centro, cobrando que possamos esclarecer traumas infantis à luz dos olhos adultos que agora trazemos.
Isso, claro, é uma enorme incoerência da sábia mãe-natureza. Problemas gerados durante a infância deveriam ser solucionados ainda com olhos e mentes infantis em ação. Infelizmente, essa discrepância temporal é a dissonância que leva quase todos aos divãs e/ou às constantes trombadas vida afora.
Ouso dizer que ninguém, absolutamente ninguém pode se arvorar de ter sido totalmente aceito durante a infância, em todas as suas nuances. Sempre há pontos e questões "sangrantes". Uns mais, uns menos, todos padecemos do mesmo mal, que nos sentencia a dolorosos regressos ao passado.
Essa discussão introduz o ponto principal do texto de hoje. O significado de ser aceito, durante a infância. Ou melhor, de ter o máximo de aceitação possível, durante a infância.
Cada característica aceita (pelos pais, irmãos, amigos próximos e outros familiares) será futuramente incorporada como um traço comportamental, emocional ou intelectual. Simples assim. Sem pendências.
Contrariamente, cada característica repelida durante os primeiros anos de infância resultará futuramente numa lacuna em nossa personalidade, cuja gravidade dependerá diretamente da importância dos fatos envolvidos. 
Crianças que não são aceitas, seja por serem diferentes quanto à cor da pele, orientação sexual, diferenças de personalidade ou de intelecto, deficiências físicas ou mentais, dentre muitas outras características, resultarão em adultos incompletos, desconstruídos ou disformes. 
Tais adultos viverão até o final dos seus dias voltando à tentativa frustra de aceitação. Sim, porque se lhes será cobrada a resolução de lacunas infantis, só que vistas com olhos adultos. Resultado: problematização de temas menores, uma característica típica de quem já passou pelos turbulentos anos da adolescência e chegou à idade adulta, pensando que lá encontraria alento para suas dúvidas.
A partir desse grande paradoxo, surgem os conflitos, que, infelizmente, envolvem outros adultos, os quais, certamente, também têm suas lacunas, mas não necessariamente semelhantes. Isso resulta numa incompreensão crônica recíproca, que vai ponteando as relações, ao longo da vida. Conflitos com parceiros, com colegas de profissão, com amantes, com amigos, com familiares. Conflitos diários de linguagem, de corpos, de intenções, de gestos, de expectativas. 
Ao buscar parceiros para dividir nosso dia-a-dia (não porque desejemos, mas porque somos compelidos a fazê-lo, pelo poder aglutinador do gene egoísta que nos constitui), não por coincidência, procuramos aqueles em que notamos abundar o mel que nos falta, nas tais lacunas. 
Ao chegar perto, para saborear deste mel, mal percebemos que ele não nos pertence. Ou não nos será dado facilmente. Ou simplesmente nos será ofertado o aroma, doce, convidativo, trocado por um ferrão de abelha, à tentativa do toque!!
Envoltos em suas próprias lacunas irresolutas, nossos parceiros (amigos, parentes, amantes, colegas) geralmente não têm tempo, disposição, energia, compreensão ou altruísmo suficiente para nos observar profundamente.
Essa questão é ainda pior quando, por um profundo azar, buscamos parceria em pessoas que já têm suas lacunas bem resolvidas, pelo menos as que se assemelham às nossas.
Nessa situação, o sentimento pode progredir de uma quase ingênua incompreensão para um brutal e cruel ato de repelência.
O misto de visões infantil e adulta envolvido na problematização das lacunas leva a um ato necessário, embora extremamente doloroso, de recolhimento. Mais uma vez, agora na idade adulta, é-nos exposto o poder cruel da não-aceitação.
Esse conflito, bem sei, constitui uma das bases de nossa personalidade. Temos de carregá-lo conosco, em cada um dos dias em que vivamos.
Juntamos os pedaços após os confrontos, recuamos e partimos novamente para a busca do preenchimento das lacunas. Uma busca que, há que se saber, não levará a lugar algum.
Assim como a lugar algum nos levará a tentativa de compreensão de todos os porquês ou para quês. Há que se prosseguir, simples e resignadamente. 
Se você, meu caríssimo leitor, tem filhos, pense nisso. Provavelmente, a função mais importante de um pai ou de uma mãe seja a de promover a aceitação. Ainda que tal aceitação implique em conflitos internos (que você deve resolver gritando trancado no banheiro ou praticando esportes).
Afinal, foi você quem decidiu ter filhos. Eles não pediram para nascer.