quarta-feira, 30 de novembro de 2011

"NUM TEMPO DA DELICADEZA"



Num tempo em que vivemos sob tantas pressões, violência, assaltos, agressões, um pouco da doçura de uma das mais perfeitas músicas de Chico Buarque, em parceria com Cristóvão Bastos. 

Aproveitem o dia!!



Todo o Sentimento

Chico Buarque

Preciso não dormir
Até se consumar
O tempo da gente.
Preciso conduzir
Um tempo de te amar,
Te amando devagar e urgentemente.
Pretendo descobrir
No último momento
Um tempo que refaz o que desfez,
Que recolhe todo sentimento
E bota no corpo uma outra vez.
Prometo te querer
Até o amor cair
Doente, doente...
Prefiro, então, partir
A tempo de poder
A gente se desvencilhar da gente.
Depois de te perder,
Te encontro, com certeza,
Talvez num tempo da delicadeza,
Onde não diremos nada;
Nada aconteceu.
Apenas seguirei
Como encantado ao lado teu.

segunda-feira, 14 de novembro de 2011

O PODER DAS PALAVRAS

Eu e Daniel, na Europa. A amizade nasce das palavras, e delas depende para sobreviver.

Desde que desenvolveu a incrível capacidade da linguagem verbal, o homem vem enfrentando uma das mais complexas crises de sua breve existência nesse planeta: lidar com o poder da palavra.

São da mãe as primeiras palavras que ouvimos. Cheias de carinhos, de afago, de uma ternura provavelmente sem precedentes no universo. Crescemos, em nossa vida intrauterina apertada, recebendo torrentes de vibrações sonoras, ainda sem sentido, mas repletas de suavidade, vindas de um ser que não apenas nos concebeu, mas nos tem em suas entranhas, como parte e consanguinidade. 

A partir do nascimento, as palavras começam a revelar seus lados mais obscuros, menos sutis, menos sublimes. As primeiras negativas, as primeiras broncas, as primeiras mentiras, as primeiras frustrações, traduzidas em palavras ou pela ausência delas.

Palavras vão se tornando algozes e armas poderosas, na maioria das vezes. São as palavras que nos falam sobre a morte de nossos entes queridos. São elas que nos revelam a brutalidade dos homens, que se matam e se destroem por dinheiro e poder. São palavras que condenaram profetas, homens ditos santos, loucos, criminosos, inocentes, prostitutas e doentes. São as palavras que separam, compartimentalizam, excluem.

São as palavras que ferem, muito mais fundo do que quaisquer agressões físicas. São elas que se nos infiltram as entranhas, como alienígenas, e jamais se retiram de nossas memórias.

Paradoxalmente, as palavras podem se ocultar em sua antimatéria, o silêncio, tornando a agressão ainda mais violenta. Nada pode ser mais violento do que um silêncio imposto ou exposto, principalmente quando uma única palavra seria salvadora, primorosa, única.

O poder destrutivo das palavras sobre os relacionamentos humanos é um fato amplamente conhecido, debatido, digerido. Talvez pouco se fale sobre o silêncio que nos pode ser imposto, por pessoas que praticam a extrema crueldade de nos negar sua palavra, ou, pior ainda, a possibilidade de que digamos nossas palavras.

Algumas das minhas maiores dores provieram dos extremos relacionados à palavra: ou de seu teor, ou do silêncio imposto. Quando eu quis falar, quando eu precisei falar, e não pude. Quando eu quis gritar, precisei gritar, e não me foi dada a chance. Quando eu precisei explicar, pedir perdão talvez, e não me foi ofertada a prenda da oportunidade.Quando eu precisei, como quem precisa de um derradeiro bolsão de ar para respirar, de uma única palavra de perdão. E não recebi.

Depois da destruição cataclísmica provocada pela palavra, ou por sua antimatéria, o silêncio forçado, a perplexidade toma conta de tudo e de todos. Claro. Não se observa o poder da palavra. Não se tem o hábito de pensar sobre o que é invisível aos olhos ou inacessível ao óbvio.

Não se pode construir um diálogo com quem é dono da verdade, com quem agride em resposta à discordância. Não se pode conversar seriamente com quem repele as diferenças. Não se podem mostrar novos horizontes a quem se vê como centro do universo. Essas são as grandes limitações para se lidar com os dramas da palavra.

Pobre de quem é limitado em sua palavras. Pobre de quem se vê como centro do universo e detentor da verdade. Pobre de quem afasta a quem mais ama, pelo poder destrutivo da palavra, e, mais ainda, do silêncio.

Pobres de nós, coitados, torpes humanos. Caídos numa corda bamba, sem ensinamento algum, sem perspectivas, correndo desesperadamente rumo ao nada, buscando um equilíbrio tênue, que parece começar e acabar todos os dias. Como se os dias fossem sempre big bang e cataclisma, numa mesma estranha mesa.

Dificilmente minha autocrítica me permite algum tipo de exposição de virtudes pessoais, mas vou abrir uma exceção.

Sei, e gosto de ouvir. Respeito a palavra do outro. Procuro entender a palavra do outro. Quando não entendo, respeito. Quando não concordo, respeito mais ainda.

Sei, como poucas pessoas, pedir perdão. Do fundo do coração, com todo o significado que a palavras traz. 

Entretanto, os conflitos com as palavras facilmente me ferem a fundo, no centro do coração.

Como acredito nas relações humanas, sempre "me deixo cortar e volto por inteiro", como diria Cecília Meireles. Já as relações, cortadas pela dureza das palavras, têm de ser reconstruídas, replantadas, pois as árvores arrancadas jamais nascem no mesmo local ou crescem com a mesma tenacidade e vigor. Infelizmente.

Caro leitor: muito cuidado com sua palavras. 

Leia mais, a leitura ensina a domar a fera que nos habita.

Aprenda sobre inteligência emocional, meu querido leitor. Ela é a base da construção de uma personalidade realmente espiritualizada.

Aprenda com os animais e com as plantas: você não é o centro do universo. Muito menos, da verdade. 

sexta-feira, 4 de novembro de 2011

SONHO DE PEDRO - POEMA


Pedro anda cansado. Cansado da vida, cansado da lida, cansado dos lírios, da lírica, do bélico, do belo e das belas. Pedro anda cabisbaixo, ensimesmado, constrito, introjetado. Pedro anda lívido, perplexo, domado, insano. Canta e ri pouco, lê ainda menos, cresce quase nada. Fixa mal, não dorme, beber não mais, viajar, nunca. Pedro trava uma luta que começa sempre ao cantar do galo e termina ao canto do beija-flor que pousa em sua janela. Sabe-se sempre perdedor, embora, inexplicavelmente, sinta-se impulsionado a guerrear contra um invisível que habita suas entranhas, confunde-se com sua própria existência. Pedro quer se entregar ao desdém, ao limbo, aos contos e às contas. Pedro já não pretende arquitetar, planejar ou extrapolar. Quer simplesmente deitar e descansar, como fosse o único ato humanamente plausível. Pedro não quer ver nada, ninguém. Pedro não gosta mais, não gasta mais, não grita mais. Pedro já se viu discípulo, professor, pedreiro, médico e operário. Já se soube cínico, sarcástico, hipócrita, parasita, tirano e marginal. Já se encontrou nos píncaros da euforia, dela bruscamente mergulhando no vazio ou na obscuridade das lamas mais pútridas de sua alma. Pedro é, hoje, um espectro de si próprio. Nem mais sabe das cores de seus sonhos, se é que eles já existiram. Pedro sequer deseja a morte, pois ela também lhe parece um fardo. Nada mais há em Pedro. Nada mais se espere dele.