terça-feira, 20 de julho de 2010

NO CAMINHO HAVIA UM MURO.

Num desses pedais da vida, nós nos deparamos com um muro... é isso mesmo! um simples e prosaico muro, na região de Lagoa Seca. Resolvi tirar uma foto dele (abaixo), o que gerou críticas e gozações de todos os amigos do grupo de pedal! eles diziam: COMO É QUE SE PODE TIRAR UMA FOTO DE UM MURO????
Bom, o que eles não podiam prever na hora é que o muro estava sob a ação de dois fatores especiais: a ação do tempo, que lhe deu uma característica rústica, com nuances de irregularidades e cores únicas, e a incomparável luminosidade do final do dia, hora preferida por todos os fotógrafos, para tirar belas fotos. O resultado, pelo menos na minha modesta opinião, ficou muito interessante!
Neste blog, entretanto, obviamente a discussão não poderia ficar restrita aos aspectos estéticos da foto. 
Já em casa, melhorando os detalhes técnicos da fotografia, comecei a pensar sobre o sentido da existência dos muros. Fui remetido ao muro de Berlim, ao que separa Israel dos territórios ocupados (Cisjordânia e Faixa de Gaza), os tantos muros que cercam nossos condomínios, casas e prédios, muros que demarcam terrenos, muros que contem, excluem ou incluem, muros que simbolizam sectarização, intolerância, preconceito, desunião. Muros que trazem segurança, por excluir as ameaças, geralmente humanas.
Muros que delimitam propriedades, num planeta que deveria, utopicamente, ser de todos. Compra-se uma extensão de terra, como se pudéssemos ser donos de um pedaço do planeta, que precede nossa existência em bilhões de anos.
Por trás dos muros de Auschwitz, os judeus foram mantidos trancados, sob condições desumanas. Por dentro dos vergonhosos muros, os homens, mulheres e crianças foram torturados, humilhados e assassinados, sob o doentio argumento de "purificação" da raça ariana, mais um delírio do monstro que atendia por Hitler. Hoje, são os mesmos judeus em Israel que separam seu "povo escolhido" dos árabes palestinos, dos quais são historicamente primos, alegando questões de segurança (não totalmente sem sentido).
Os muros simbólicos separam também brancos de negros, hetero de homossexuais, pobres de ricos, ladrões de honestos...
O muro é uma instituição tipicamente humana. O muro é a cara do homem.
Encerra suas limitações, sua mediocridade, sua necessidade de domínio, sua intolerância. 
Mas pode, também, render belas fotos, como a que, modestamente, tirei.

quinta-feira, 15 de julho de 2010

O TALENTO DE BARBRA STREISAND



Tenho alguns CDs que raramente saem de dentro do meu carro, lugar onde, por incrível que pareça, costumo ouvir muita música, nos deslocamentos na cidade, que está cada vez mais perturbada pelos engarrafamentos.
Um deles é o "The Broadway Album", que Barbra Streisand gravou nos anos oitenta, com alguns dos grandes momentos dos musicais da Broadway.
No auge de sua forma vocal, a cantora dá uma aula de performance, musicalidade, perfeccionismo e virtuosidade. O nosso grande músico César Camargo Mariano a considera um dos grandes gênios da arte de cantar, ao lado de nomes como Elis Regina e Ella Fitzgerald. Não há exagero: a voz de Barbra soa precisa e límpida como o mais precioso dos instrumentos musicais. Tem todas as nuances que se podem emprestar à voz humana. Transparece humor, ironia, sarcasmo, intenso amor, frieza, alternando momentos de intensa vibração com trinados suaves, quase sussurrados. Barbra é uma lição de música em forma de gente!
Esse CD serve sempre de fundo musical para minhas elocubrações mentais, especialmente acerca do sentido da arte, para a humanidade. Não sei se há um verdadeiro sentido na arte, mas sei que ela é imprescindível. Todos os seres humanos apreciam a arte, de alguma forma, embora apenas uma minoria tenha tido acesso a um padrão cultural mais sofisticado. 
É praticamente impossível que alguém ouça a voz de Barbra Streisand sem admirá-la, ainda que não tenha em si os necessários alicerces culturais para julgar detalhes acerca do ato de cantar. 
Por outro lado, o som da voz perfeita de Barbra me faz esquecer, ainda que nos vãos momentos em que a ouço, da barbárie sonora que invadiu o Brasil nos últimos anos, fruto de um processo complicado de aculturação a que fomos expostos no período pós-ditadura. Em adição, a redução da pobreza no país trouxe ao mercado consumidor de música uma grande fatia da população que ainda vibra nos acordes da submúsica, dos becos harmônicos, da lama melódica que domina grande parte da nossa produção.
Neste cenário, parece lógico que ouçamos "pérolas" de grupos como (desculpem a citação neste tópico) Calcinha Preta ou Limão com Mel, ao invés de ouvirmos clássicos, como Send In The Clowns ou I Loves You Porgy, por Barbra, no seu primoroso CD.
Lamentável. Cresce em mim, ao longo dos anos, a terrível sensação de impropriedade, de ter nascido numa época e/ou num lugar errados, a inabalável sensação de ser uma pessoa isolada em seu próprio universo paralelo. Não o considero melhor nem pior, mas, com certeza, é um universo paralelo. Diferente. Incompreendido.
Nesse ponto de ginástica mental, aumento o som, e deixo que a voz de Barbra lave, novamente, todos os porões e armários, inundando cada compartimento do meu cérebro com sua perfeição vocal.

terça-feira, 13 de julho de 2010

POR QUEM OS SINOS DOBRAM?

"Não pergunte por quem os sinos dobram, eles dobram por você" 
(Ernest Hemmigway).






Uma bela e anacrônica frase de um dos maiores escritores da história. Traz um sentido profundo, difícil de perceber à primeira leitura. Como todas as frases geniais.
Se pudéssemos introjetar tudo o que essa frase encerra, nossa existência seria mais plácida, menos tempestuosa. 
Na busca de sabermos por quem os sinos dobram, ou, metaforicamente, quais são os grandes referenciais de nossa vida, sejam amigos, pais, outros familiares, sucesso financeiro, ganhos sociais, passamos grande parte do tempo sem compreendermos que, verdadeiramente, temos de nos voltar para nosso interior.
Nosso melhor amigo, nosso porto-seguro, nosso amparo, nosso maior objetivo deve residir dentro de nós mesmos. 
Sofre-se por cada ausência, por cada partida, por cada decepção, por cada incompatibilidade. Sofre-se de desamor, um desamor cotidiano, tecido por contas de pequenas mortes diárias. Sofre-se por não encontrar, no espelho do outro, o que verdadeiramente nos sobra (ou falta).
Os sinos não dobram pelo amigo ou pelo outro que está ao nosso lado. Dobram por nós. Por cada lágrima derramada, por cada gesto nobre, pelas angústias de cada dia. Dobram pela certeza crescente e inevitável da falta de sentido implícito do existir. Eles dobram, sim, para que não percamos a sanidade, para que nos voltemos para o interior, para que o exterior não nos desfragmente, com suas agruras e desventuras.
Da próxima vez que o destino lhe for inclemente, avassalador, saiba que sinos (e sinas) batem (ou se desenvolvem) por você, desde que você se coloque como referencial. O poder transformador do observador, quanticamente, pode estabelecer novas e definitivas verdades, ainda que sob a transitoriedade de um mísero e insignificante segundo de lucidez. 

quinta-feira, 8 de julho de 2010

ACORDANDO BEM

Todos os dias agradeço aos criadores da internet, especialmente por amar música, e, hoje, poder ouvir as que eu quero! na rede mundial de computadores, você pode encontrar centenas de rádios online, catalogadas de acordo com sua preferência, sem comerciais, com som impecável! nada mal... durante minha adolescência, com meu gosto musical atípico, eu tinha de comprar discos e tentar captar o sinal de emissoras de FM no Recife (algumas eram especializadas em músicas de qualidade). 
Pois bem: hoje, como sempre faço, assim que acordei, vi o Bom Dia Brasil e fui trabalhar no computador, ao som de uma das emissoras de rádio que mais ouço (do grupo Globo, a emissora "Fama", que toca apenas standards da música internacional). E foi aí que eu vi que meu dia começaria muito bem: invadiu-me a alma a voz linda, doce, melancólica de Dinah Shore (foto abaixo) cantando My Funny Valentine. 
Impressionante como a voz dela é linda! fiquei pensando sobre o momento exato em que ela gravou a música, numa época tão diferente, onde o romantismo também era a tônica, inclusive na produção artística. Numa época onde o real talento era o que importava, pois os sofisticadíssimos programas de computação (que hoje me possibilitam ouvir as rádios online) corrigem imperfeições, inclusive notas desafinadas e acordes incorretos! em outras palavras, ou se cantava ou não... sem meio-termo. Logo depois (aí é covardia...), entra minha diva-maior, Ella Fitzgerald (foto abaixo), cantando My Romance.
Inevitavelmente, vem à minha mente a comparação com a versão de Carly Simon, que gravou a música anos após... em que pese a qualidade da voz de Carly, a diferença de personalidade vocal, nuances e dimensão rítmica é infinitamente favorável a Ella. Não poderia deixar de ser, em se tratando daquela que é considerada como uma das mais perfeitas vozes da história da música.
Sempre costumo dizer que nasci e vivo numa época e num país errados. Eu me vejo, nos sonhos utópicos, morando numa realidade imaginária, onde Ella e Dinah fariam concertos gratuitos em parques públicos, para multidões silenciosas e atentas, as quais se emocionariam com a expressão artística mais autêntica da voz. Vivo, utopicamente, numa ultra-realidade em que não há banalização do sexo, não há prostituição, uso do corpo como moeda de expressão "artística". Vivo num mundo em que não há o detestável forró eletrônico, a verbosidade das músicas sertanejas-românticas, o lixo explícito do funk carioca.
Após o breve sonho lindo, embalado pelas vozes dessas divas, é hora de "acordar", trocar de roupa e cair na vida. Essa é a real, fazer o quê?

quarta-feira, 7 de julho de 2010

REVENDO O PASSADO

Hoje (23/02/2008), fiz uma caminhada ecológica maior, pela primeira vez, sozinho. Estranho, para falar a verdade. Mas, ao mesmo tempo, a natureza oferece tanto, que inebria, e afasta os pensamentos tristes ou sombrios que me pudessem vir à mente. Além disto, os tantos amigos que sempre caminharam comigo vão estar sempre ao meu lado, de uma forma ou de outra, mesmo que em pensamento, em intenções, em boas lembranças. Parece que ouvia a voz de cada um, mostrando um detalhe, lembrando um fato, sorrindo, apontando árvores e paisagens diferentes.

É sempre incrível reler o que escrevemos no passado. Esse texto foi o primeiro que publiquei neste blog, há mais de dois anos. Eu estava passando por alguns dos piores dias da minha vida, após um terremoto emocional que se instalou, envolvendo o trincamento de alicerces complexos, especialmente relacionados ao que eu sempre entendi por amizade. 
Uma das coisas mais interessantes foi perceber que, mais uma vez, o contato com a natureza me salvou, me reestruturou, fez-me retomar minha caminhada, sem trocadilhos. Não foi por opção, mas, novamente, por um projeto catártico, que me levou a caminhar obstinadamente por trilhas já tão conhecidas, em que sorríamos, conversávamos, éramos como carne e unha.
Na foto abaixo, tirada exatamente nesta caminhada, percebo uma infinita tristeza no olhar, por trás de uma tentativa débil de manifesto de um sorriso, numa reação forçada. Talvez fosse já o começo da reação.
Eu precisava, de alguma forma, entender que havia coisas maiores do que a implosão dos valores emocionais, pela qual eu passava. E realmente entendi que a natureza é maior. Aliás, ela é maior do que tudo. Ela sempre esteve, está e estará, enquanto nós, coitados, estamos apenas de passagem. Nesse contexto, hoje eu não me preocupo muito com o que o ser humano está fazendo com a natureza, pois sei do seu caráter de autossustentabilidade, de autolimitação, de equilíbrio inexorável. Se o ser humano for um dia a fonte de um desequilíbrio insustentável, fatalmente será eliminado, de alguma forma.
Esse conceito de continuidade foi introjetado, ao caminhar sozinho. Não só eu, mas todos os amigos e ex-amigos, todos nós passaremos, de forma indelével, deixando algumas marcas para a humanidade, talvez mais, talvez menos importantes, mas nada que se compare à perenidade da natureza, do planeta, enquanto "organismo". 
Hoje, após dois anos de altos e baixos, tenho plena convicção de que as decepções continuarão acontecendo, assim como também sei que provocarei decepções em várias pessoas. É inerente à condição humana. A diferença está na forma como estou processando tais decepções. Este é o aprendizado que vem da natureza.

"Aprendi com a primavera; a deixar-me cortar e voltar sempre inteira."
(Cecília Meireles)

domingo, 4 de julho de 2010

FALANDO SOBRE A CEGUEIRA

Nos pedais, conversa-se de tudo um pouco. Desde a copa, até a situação da juventude atual, passando por muita abobrinha, momentos de pura filosofia, ciência, música... 
No último pedal, conversei bastante com meu novo (e ótimo) amigo Leo (foto abaixo), que é oftalmologista. Dentre os variadíssimos assuntos, um dos que abordamos foi a cegueira. Uma vez, perguntei a um amigo cego como eram os seus sonhos. Ele disse que não sonhava com imagens, e sim, com sensações. Táteis, auditivas, com sensações espaciais, particularmente. Enfim, ele disse que sonhava exatamente com os "instrumentos" de que dispõe para interpretar o mundo, na ausência da visão.
Leo dava as explicações oftalmológicas, enquanto eu, as neurológicas, tentando, ao unir conhecimentos, entender a complexidade do fenômeno visual, especialmente diante da ausência da visão.
O cérebro tem um inacreditável poder adaptativo. Na falta de uma função, ele hipertrofia outras. 
Uma das mais interessantes e complexas funções é justamente a propriocepção, tão hipertrofiada nos deficientes visuais. Trata-se de uma sensação interna de segmentação e organização corporal. É uma função que possibilita sentirmos nossa posição sobre o planeta, no sentido mais amplo da sensibilidade. 
A audição, também hipertrofiada nos cegos, torna-se um importante elemento de auxílio, tanto no desvio de obstáculos quanto no fenômeno proprioceptivo.
De acordo com Leo, o meu amigo, portador de glaucoma congênito, poderia ter sido operado, na infância, e possivelmente teria mantido sua visão, fato difícil de imaginar há mais de 65 anos, quanto ele nasceu!
Na postagem de hoje, quero registrar esse interessantíssimo papo que tivemos, assim como a chegada de mais um irmão-ciclista, fazendo parte de um seleto grupo de convivência que tenho, e que extrapola o limite dos "colegas ciclistas", que são a maioria: meu amigo Leo. Bem-vindo, amigo!

sexta-feira, 2 de julho de 2010

CATARSE

Catarse (do grego Κάθαρσις "kátharsis") é uma palavra utilizada em diversos contextos, como a tragédia, a medicina ou a psicanálise, que significa "purificação", "evacuação" ou "purgação". Segundo Aristóteles, a catarse refere-se à purificação das almas por meio de uma descarga emocional provocada por um drama.


Considero minhas atividades ciclísticas como um misto de prazer e catarse. Esta semana, fiz cinco pedais, levando ao extremo minhas condições físicas. Obviamente, um risco comedido, milimetricamente calculado. Afinal, não quero deixar de ser um ciclista aficcionado para virar um inválido ou, no mínimo, um acidentado!!
A catarse leva necessariamente a um processo de purificação, de renovação da química neuronal. Em mentes cujo predomínio é tempestuoso e em eterna metamorfose, como a minha, tal renovação é mais que desejável: é mandatária, imprescindível. As fartas doses de endorfina que me inundam as sinapses, após a atividade física, são capazes de trazer alento ao sistema límbico, tão envolto em processamentos complexos e, por vezes, pouquíssimos construtivos. Dessa forma, o sono vem mais fácil, assim como a dismnésia seletiva para fatos que prefiro esquecer.
O presente diário, dado pelo contato com a natureza, pelo papo saudável com os amigos, tornou-se um dos sentidos mais importantes da minha vida atual. Ousaria dizer que as atividades profissionais me possibilitam a subsistência, para que eu possa ter tais momentos de puro êxtase. Exagero? talvez. Mediocridade? pode até ser. Mas nada tem substituído a paz que me vem depois de tais momentos. Nada.
Obviamente, o contato com minha família é hors-concours. Nem entra em discussão, na lista de prioridades, pois minha família já é, por si só, prioridade máxima na minha vida. Falo dos fatos, pessoas, prazeres e desprazeres secundários, extrafamiliares. 
Sejamos, pois, catárticos, sejam quais forem os instrumentos utilizados. Afinal, elocubração em excesso só aumenta a produção de radicais livres, provoca rugas e traz uma pretensa (e falsa) sensação de estarmos "entendendo" o sentido da vida, já que ela, por si só, não tem nenhum. Temos de dar um sentido à nossa vida, todos os dias, assim que abrimos os olhos. Ainda que os abramos precocemente, em madrugadas frias e solitárias. Não importa. Mesmo assim, podemos colorir com um sentido o nosso dia.
Nessa aquarela mágica, fantástica, o ciclismo ocupa o papel de parede, onde posso desenhar ou pintar detalhes secundários.