segunda-feira, 26 de outubro de 2015

REFLEXÃO SOBRE A PROVA LE ÉTAPE DO BRASIL



Para Leonardo Rabello


  De acordo com o dicionário, competição é a "expressão de uma pretensão por parte de duas ou mais pessoas ou grupos, com o objetivo de igualar ou superar o outro." 

  Durante uma recente prova competitiva de que participei, resolvi subverter o objetivo da prova e dar um novo significado, pelo menos dentro de minha visão de valores e sentimentos. 

  Junto a um grande amigo, resolvemos que nossa participação seria compartilhada, construída a dois. Não importava quem venceria, mas sim, se chegaríamos juntos, após vivenciarmos toda a prova lado-a-lado. Conseguimos vencer essa "competição" de não competir!

  Aí, comecei a pensar sobre o significado de vencer, premissa primordial de quem está competindo. 

  Um de nós poderia ter quebrado o acordo informal que estabelecemos e tentar chegar antes, ainda que fosse uma diferença de segundos. Um de nós poderia voltar com o signo de "vencedor da dupla". O que faríamos com tal título? Mostraríamos aos amigos? Compartilharíamos nas redes sociais? Utilizaríamos esse feito como atestado de força ou domínio? Estabeleceríamos que o vencedor foi mais esperto por não ter respeitado aquele acordo informal, baseado única e exclusivamente numa intenção de atitude, sem papéis, sem assinaturas, sem formalização? 

  Em paralelo, que tipo de expectativa ou decepção um teria provocado no outro? Haveria um sentimento real de traição e de abandono, ainda que todo o fato houvesse resultado de uma prova esportiva, sem maiores pretensões ou atributos? 

  Um dos dois poderia ter quebrado a combinação e chegado primeiro. Venceria, claro, a competição. Mas perderia gravemente no quesito de humanitarismo.

  Num determinado momento, parei para ajudar meu amigo numa troca de pneu de sua bicicleta. Enquanto trabalhávamos em conjunto para solucionar o problema, dezenas de ciclistas nos ultrapassaram, salientando ainda mais nosso estresse e a possível eliminação da prova, por ponto de corte. 

  Apenas uma das nossas bicicletas estava com problemas. Mas a nossa dupla estava ferida! A sensação de incompletude foi infinitamente maior do que qualquer pretensão de continuidade. Não haveria vitória plena de um só, diante do que foi previamente combinado, não necessariamente em palavras, mas em atitudes. Atitudes exercidas durante os treinos e em todos os momentos de convivência.

  Parei para ajudá-lo, exatamente como fiz em diversas outras ocasiões e situações diferentes. Não foi novidade, não foi inaugural. Parei, sentindo uma incrível sensação de naturalidade e equilíbrio. E isso já aconteceu de forma recíproca por inúmeras vezes.

  Hoje, agradeço ao destino ter proporcionado aquele momento de pane, em que pude exercer plenamente uma característica humanitária que considero fundamental: a solidariedade. Nada seria mais importante do que compartilhar aquele momento de aflição. Nenhuma medalha, nenhum troféu, nenhum punhado de minutos de vantagem na competição. Nada seria mais importante do que retornarmos juntos à prova.

  Pensei também sobre reciprocidade. No caso específico, tenho certeza de que haveria reciprocidade. Mas vejo hoje que a reciprocidade não foi exclusivamente o que me motivou a parar para ajudar o meu amigo. O que me motivou mais profundamente foi a sensação de exercer uma atitude humana nobre. Ainda que eu tivesse certeza de falta de reciprocidade (o que não é absolutamente o caso), o gesto de solidariedade teria me trazido exatamente a mesma sensação de paz e profundidade espiritual que trouxe. Claro, tudo foi exponencial por envolver um de meus melhores amigos.

  Durante o restante do trajeto, seguimos juntos. Às vezes eu o esperava no alto de uma subida, às vezes o contrário. Mas sempre compartilhando aquele momento que, com certeza, foi único em nossa história.

  Na chegada, igualamos os pneus cuidadosamente, para não haver diferença sequer de segundos, um exagero lúdico de fidelidade esportiva. Funcionou: os tempos foram absolutamente idênticos.

  Desta vez, a competição levou a pior. Venceu a solidariedade. Venceu a amizade.

  Felizmente.

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