quinta-feira, 11 de agosto de 2011

CARTA A ELIS REGINA



Querida Elis: uma ínfima parcela da população da provinciana cidade de Campina Grande, interior da Paraíba, estava exultante pela chance de ver, pela primeira vez, um show de sua filha, Maria Rita, em nossa cidade. Há cerca de três meses, os esforçados produtores lotaram a mídia com outdoors, comerciais em rádio, TV e jornal, mensagens na mídia e num boca-a-boca gigante. Felizes e inocentes, nós, os fãs que aprendemos a amar o trabalho honesto, eficiente e impecável de sua filha, passamos a contar as horas e os minutos para o encontro que se daria no dia 13 de agosto. Muitos de nós chegaram a cancelar encontros e compromissos, para que não se subvertesse o compromisso magno de prestigiar a jovem cantora. Como você deve estar vendo daí, Elis, Maria Rita aprendeu direitinho a lição. Aprimorou tudo o que recebeu de herança, sua e de César Mariano, no retiro voluntário nos Estados Unidos. A voz traz sua marca registrada, no timbre e na extensão. Não é só isso: Maria Rita também herdou o seu fraseado, a ginga, e, principalmente, a entrega desavergonhada (no bom sentido) diante de cada canção. Poucas cantoras no mundo se arriscam a tal nível de entrega, exatamente como você fazia, com tanta maestria.
O que não sabíamos é que o fantasma da mediocridade nos espreitava, brotado dos becos escuros da nossa cidade provinciana. O fato é que apenas cem ingressos (pasme, Elis, cem ingressos) foram vendidos, obviamente inviabilizando o aparato comercial que envolve um show de grande porte, como é o de sua filha. Claro, o show foi cancelado.


Elis, hoje, paradoxalmente, fiquei feliz por você já não estar mais entre nós. Explico: num Brasil dominado pelo funk carioca, pelos forrós de plástico, pelo visgo do sertanejo, quem perderia tempo ouvindo sua voz rasgante, dilacerante, intensa, única: quem compreenderia sua co-autoria, ao dar interpretações definitivas às canções que você cantava? quem pagaria ingresso para ouvir seu estilo arrebatador ou conhecer os novos compositores que você apresentava ao grande público?
Não, Elis... assim como Campina Grande disse "não" a Maria Rita, diria também a você. Maria Rita supera, especialmente porque está em turnê pelas grandes cidades do país e pelas principais cidades do mundo civilizado. Maria Rita é jovem, intensa, integrada à fugacidade da mídia atual. Você não... você não suportaria a crueldade de ser considerada "cafona, out, velha, caquética". 
Estamos profundamente envergonhados, Elis. Maria Rita talvez jamais volte a Campina Grande. Acho que não deve voltar, mesmo. O trabalho dela está anos-luz adiante do que a maioria de nós poderia compreender. Há que se viver décadas, ainda, para que possamos aceitar e entender o lindo trabalho de sua filha. Enquanto isso, restam-nos seus discos, para dar alento a estes dias de tanta rudeza e mediocridade. Que seus discos (e os de Maria Rita) nos salvem. Amém. 

14 comentários:

Márcia disse...

Muito bem Fábio, com sua licença faço minhas as suas palavras e acrescento ainda, que fico mais triste e envergonhada pela "rudeza" da população da cidade que adotei como minha, o fato de ter tido o "privilégio" de ter ouvido ao vivo minha adorada Elis.

SÔNIA LIMA disse...

Concordo com voce Fábio, fazendo minha suas palavras, também acho que Maria Rita não virá tão cedo a Campina Grande. Mas o povo tem a Cultura que merece!!!

Carol Japiassu disse...

Eita!!!! Depois de ler esta carta estou me sentindo culpada de não ter comprado o ingresso. E com tantas palavras bonitas e positivas sobre Maria Rita me fez pensar em "até gostar de ouvir a musica dela"....rsrsrsrrsrs....Também com essa choradeira de Fábio..... bjão

tatapreta disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
tatapreta disse...

Cada cidade tem o espetáculo que merece. Garota Safada, você levou essa. Uma vergonha.

Mariana disse...

Texto lindo, chorei, morrí.
E morrí mais ainda de vergonha pelo público campinense.

Tava comentando com Clarissa hoje, eu realmente me iludí que daria muita gente. Logo que MR lançou o primeiro disco a gente saiu daqui pra recife pra assistir ao show, lembra? eu tinha menos de 14 anos e já estava ébria pela "lavagem cerebral" feita por tio fábio sobre a boa música.


MEU DEUS! Campina fechou as portas para Maria Rita! Lastimável.

A mediocridade cultural da cidade acaba sendo espelhada na música, nas artes, nas manifestações políticas, em tudo. Uma pena.

Teremos que continuar nossas viagens pra Recife pra assistir um show do nível de MR.

Unknown disse...

Obrigadíssimo a todas pelos comentários!! sobrinhas, fico feliz por ter feito tal "lavagem cerebral", vocês são hoje o meu maior orgulho!! Carol, você vai amar Maria Rita ainda... Valeu, Sônia e Márcia. É realmente vergonhoso.

GUSTAVO disse...

Liga não amigo Fábio nossa cidade gosta mesmo é dos MAGNÍFICOS ZEZÉ DE CAMARGO E LUCIANO, duvido muito se DR XOTE,ZEZINHO DA EMA e ZEZO perderam esse show.Nosso povo EXALTA SAMBA e gosta de FORRÓ COM MUÏDO, mas esquece de apreciar a boa MPB.Talvez se MARIA RITA,uma verdadeira AFRODITE da boa música, fosse uma GATINHA MANHOSA ou uma MOLEKA 100 VERGONHA qualquer ,que tivesse dito que iria cantar com um SUTIÃ RENDADO, uma CALCINHA PRETA e uma SAIA RODADA, teria conquistado os nossos CAVALEIROS DO FORRÓ e com certeza o CAPITAL INICIAL do show teria sido abundante.Infelizmente não deu...A mediocridade mais uma vez venceu...E o pior é que a coisa é tão séria que nem um RESTART parece conseguir melhorar alguma coisa....

Abs , Gustavo.

Unknown disse...

kkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkk!!
Adorei, Gustavo!!!! só você para conseguir fazer um poema a partir dos milhares de nomes elimentares (indigestos) desses grupos torpes de forró de plástico!!!

Fabio Cadore disse...

Poxa, que vergonha xará...
O pior é que isso não passa só por aí, passa também em tantas outras cidades do Brasil. É uma pena porque eu pensava que justamente nas menores cidades ainda haveria esperança pela MPB. É triste... e nem digo só pela MPB, é triste porque ninguém quer mais ouvir música que te faça pensar um pouco, que te faça refletir. Essa é nossa atual sociedade.

Unknown disse...

Pois é, Fabinho... vivemos nesse triste cenário, de norte a sul do país. Para manter a chama acesa, apostando na boa música, a gente tem de ter uma persistência enorme e a certeza de estar plantando uma semente para o futuro. É muito triste. Por essas e outras, hoje faço da música minha companheira de sublimação. Abraço grande, queridão!

Anônimo disse...

Apoio totalmente o seu manisfesto, Fábio. Mas confesso o meu receio de assistir a shows no Spazzio. No quesito segurança, a casa deixa muito a desejar. Entendo que devido aos custos, a apresentação de uma cantora do porte da Maria Rita ficaria inviável no Teatro Municipal ou no teatro do Garden. Creio que a casa de shows do novo Shopinng instalado na Facisa possa preencher essa lacuna.

Bjos,
Zandy

Clarissa disse...

Lamentável! Sinto-me envergonhada por ser campinense. Triste por nunca ter visto Elis cantas ao vivo, mas, feliz por ter assistido a umas 4 ou 5 apresentações de Maria Rita e ser um dos 100 ingressos vendidos. Isso eu devo a vc, tio Fábio, que lapidou o nosso gosto musical, desde sempre. O povo, realmente, tem os shows que merece. Nós, por sorte, ainda temos Maria Rita e as estradas, para vê-la brilhar em outros lugares.

Jovany Medeiros disse...

Olá Fábio. Parabéns pelo blog.

Só um pequeno e importante detalhe! Aonde seria esse show? No Spazzio? Bem, a última (e última mesmo) que fui assistir a um "show" em uma casa assim, perdi tempo e dinheiro. Em relação ao artista, eu via uma silhueta iluminada ao longe, associada e ecos distorcidos de acordes musicais dispersos, misturados ao vozerio da platéia. Sem falar no desconforto indeterminado geral...

Uma sugestão ao Senhores Produtores. Shows musicais de qualidade devem ser em teatros. Garantia de conforto, boa acústica, proximidade artista-público, etc. Cobrem um pouco mais caro. Spazzio (não por ser o Spazzio) e similares devem ser reservados para... vocês sabem quem!

Abraço

Jovany Medeiros