terça-feira, 29 de junho de 2010

PEDALANDO NA LAMA

Hoje fizemos um pedal inacreditável, na lama... poucas vezes vi tanta lama como na trilha do escorpião! também, ontem choveu "apenas" o dia inteiro!!
Como sempre, fico pensando sobre o que nos motiva a encarar tamanho e tão sujo desafio, físico e psíquico. Aparte a questão de autossuperação, que sempre ponteia todos os desafios ciclísticos, acredito que tem um outro lado que pega forte: na trilha, todos nós, independentemente da idade, somos como crianças. Lá, não importa a posição social, cultural, financeira, política ou religiosa. O que se vê são adultos-crianças, lidando com problemas simples, basais, como troca de pneus furados ou conserto de corrente quebrada (como aconteceu hoje). É como se, por um instante único e mágico, pudéssemos voltar a um tempo "dos pardais", quando a inocência era nossa morada, e os amigos fossem companheiros de aventuras mágicas, construídas sobre alicerces pintados com tinta guache de aquarelas baratas, compradas na venda da esquina. A lama que entope nossas bicicletas e nos cobre pernas, braços, rosto e roupas, é, metaforicamente, a tinta que nos transporta aos desenhos infantis, às brincadeiras inocentes nos terrenos baldios da infância, procurando por grilos e pirilampos (sumiram esses bichinhos de luz???). Da minha infância e adolescência, ficaram tão poucas lembranças quanto fotos. Uma excessiva timidez, associada a um temperamento sempre muito sério, uma tendência a sempre aprofundar o que geralmente merecia um tratamento superficial, tudo me levou a ter uma infância e adolescência planas, sem grandes pinturas, como uma tela pálida. Faltaram-me tintas e disposição para pintá-las, como deveriam. Talvez, agora, aos 44 anos, essas tintas estejam reaparecendo, como mágica, na companhia de amigos já não tão jovens também, mas com um inquebrantável espírito de jovialidade. Juventude e jovialidade, afinal, são duas coisas completamente diferentes.
Após o pedal, lavo a bicicleta e a mim mesmo, como a tirar da nossa cobertura a lama de um passado por vezes tão obscuro, cheio de interrogações e lacunas, que deixo ao vento, para que possa virar poeira e nunca mais voltar.
Há quem pense que vejo no pedal apenas uma diversão torpe, uma válvula de escape, como tantos o fazem. Deixo que pensem, que sigam, que falem. Há muito, desisti de me fazer entender em toda a minha essência. Não que ela seja especial, mas, definitivamente, é diferente, confusa e complexa. Até para mim mesmo. A diferença é que eu TENHO de compreender tal essência, não tenho escolha. Quanto a muito outros, certamente preferirão pensar nos pedais como um exercício bom, para perda de calorias e jogar conversa fora. 
Tudo adequado, cada um por cada um.

Nenhum comentário: